“Olha, antes do ônibus partir eu tenho uma porção de coisas
pra te dizer, dessas coisas assim que não se dizem costumeiramente, sabe,
dessas coisas tão difíceis de serem ditas que geralmente ficam caladas, porque
nunca se sabe nem como serão ditas nem como serão ouvidas, compreende? [...] Existem
coisas que a gente ainda não pensou, que a gente talvez nunca pense, eu, por
exemplo, nunca pensei que houvesse alguma coisa a dizer além de tudo o que já
foi dito, ou melhor pensei sim, não, pensar propriamente dito não, mas eu
sabia, é verdade que eu sabia, que havia uma outra coisa atrás dos silêncios,
aqueles silêncios saciados, quando a gente descobria alguma coisa pequena para
observar. [...] Deixa eu te dizer antes que o ônibus parta que você cresceu em
mim de um jeito completamente insuspeitado, assim como se você fosse apenas uma
semente e eu plantasse você esperando ver uma plantinha qualquer, pequena,
rala, uma avenca, talvez samambaia, no máximo uma roseira, é, não estou sendo
agressivo não, esperava de você apenas coisas assim, avenca, samambaia,
roseira, mas nunca, em nenhum momento essa coisa enorme que me obrigou a abrir
todas as janelas, e depois as portas, e pouco a pouco derrubar todas as paredes
e arrancar o telhado para que você crescesse livremente, você não cresceria se
eu a mantivesse presa num pequeno vaso, eu compreendi a tempo que você
precisava de muito espaço. [...] Sabe, eu me perguntava até que ponto você era
aquilo que eu via em você ou apenas aquilo que eu queria ver em você, eu queria
saber até que ponto você não era apenas uma projeção daquilo que eu sentia, e
se era assim, até quando eu conseguiria ver em você todas essas coisas que me
fascinavam e que no fundo, sempre no fundo, talvez nem fossem suas, mas minhas,
e pensava que amar era só conseguir ver, e desamar era não mais conseguir ver,
entende? [...] Fico só querendo te dizer de como eu te esperava quando a gente
marcava qualquer coisa, de como eu olhava o relógio e andava de lá pra cá sem
pensar definidamente. Eu ainda queria chegar mais perto daquilo que está lá no
centro e que um dia destes eu descobri existindo, porque eu nem supunha que
existisse, acho que foi o fato de você partir que me fez descobrir tantas
coisas. Antes de você ir embora eu quero te dizer quê.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário